terça-feira, 29 de abril de 2008

Enterro

Ela cavava fundo para que pudesse enterrar o corpo, mas ainda ouvia ele chamá-la. Na cova de já cinco palmos ela deitou o homem, que se debatia devagarinho. Coberto de terra, o suposto defunto fez emergir a palma, suplicando pela dela. Ela não retribuiu o gesto, pois sabia que só na sua mente aquele homem ainda tinha um tantinho de vida. Subiu sobre o túmulo e pisou fundo naquela mão, enfiando-a à força na morada eterna. Mas a voz continuou ressoando.

Ele não merecia a vida. Não ao lado dela. Tudo poderia ter acontecido, mas ele quis que se afastassem. Antes de pedir o distanciamento, fez uma encomenda, mais exótica do que todas as que fizera desde que a conheceu. Ela não entendeu, mas cumpriu: pegou de um bisturi e fez rasgos no corpo dele em partes estratégicas, fazendo seu sangue jorrar. O sangue seco sobre o corpo transformou-o numa estátua rubi, que foi devidamente envernizada, para durar um tempo. Ainda conforme o pedido, ela o expôs por algumas horas no sofá da sala. Ele queria que ela se lembrasse para sempre do bom e curto tempo que passaram juntos, e que ficasse dele a imagem de uma exótica jóia rubra.

Assim foi feito. Faltava ainda que se fizesse um enterro simbólico, e ela o cumpriu em seguida. Mas ele percebeu que o olhar dela estava tomado por uma força maior que o costume, e deu-se conta do desfecho que aquilo tudo teria. Depois de ter perdido tanto sangue, tinha pouca força para dizer que o que ela fazia era um erro, e que deveriam encarar uma vida a dois novamente. Debaixo da terra, ele repetia desesperadamente o nome dela. Mas ela sabia que, se a voz a perturbava, seria por pouco tempo: o som ficava cada vez mais distante e inaudível.

Dentro em breve o corpo seria só mais uma ossada entre as várias que jaziam na sua memória. E ela poderia dormir em paz, com mais vida do que quando ainda pensava nele. Ele também ficaria em paz, porém sem vida.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Le premier bonheur du jour

Le premier bonheur du jour
C’est un ruban de soleil
Qui s’enroule sur ta main
Et caresse mon épaule

Uma xícara de café
aconchego num bistrô
enrolada em cachecol
no friozinho de abril

E as sombras ao redor
sob a fraca luz a gás
como se quisessem dançar
trêmulas, como a vida o faz

O sol fraco em Paris
a ponte Neuf sobre o rio
de suas águas dá para ouvir
"O sagrado mora aqui"

Parabam
parararabá, parararabá parararabá....

La premier chagrun du jour
C’est la porte qui se ferme
La voiture qui s’en va
Le silence qui se instale
Mais bien vite tu revien
Et ma vie retorn son course
Le dernier bonheur du jour
C’est la lamp quis s’atend

Parabam
parararabá, parararabá parararabá....

Ai ai...

terça-feira, 22 de abril de 2008

Sorveteiro - Parte VIII

(...)

Silva foi tentar descansar sua mente no parque. Mas ora! Percebeu que havia um pequeno túnel cavado à unha na gaiola dos furões, e que um deles havia sumido: a fêmea. Os machos não tinham sua vivacidade, nem perceberam o caminho livre. As araras gritavam ansiosas, pois viram o bicho passar determinado por ali. Também queriam experimentar vôo, mas lhes faltava a malícia necessária à fuga.

O sorveteiro dissipou a poeira e conseguiu vislumbrar o caminho que Maria deixara aberto para ele. Não que estivesse insatisfeito com sua vida, mas ver a negrinha dar esse salto o fez provar do néctar embriagante da ambição. Antes, o que o impedia de sonhar alto eram suas emoções moles, pensando encontrar cura pra tudo nos remédios do coração. Não fazia planos, porque Bela era sempre o objetivo último de cada dia. Ah, coração tolo e pequeno!

Não que o amor fosse pura ilusão. Silva não deixou de achá-lo uma coisa bonita. Mas daí a ser algo que guiasse sua vida, isso nunca mais. Viu que era um sentimento que só cabia à algumas pessoas afortunadas, predestinadas a andar em plumas, a enxergar cores suaves e a cantar com notas harmoniosas e ondulantes. As outras, que não eram predestinadas a amar mas o desejavam, perdiam décadas achando que Afrodite só não lhes trouxera essa graça ainda porque estivera atarefada demais, mas morriam sozinhas fazendo oferendas a seu altar. Entre esse grupo havia ainda uma classe característica: aquelas pessoas insatisfeitas com o que a deusa lhes oferecia como companhia, porque buscavam nos outros apenas a grandeza que julgavam encontrar em si. A deusa se irrita com esse tipo de cegueira, e entorta os olhos delas em direção aos seus umbigos até que são engolidas pelas próprias vísceras. É que Afrodite tem as Eríneas como amigas íntimas.

Por isso Afrodite saiu do panteão de Silva. Hermes retomaria seu posto: se dera certo para Maria, mirabolar planos com astúcia também daria certo para ele.

(...)

domingo, 20 de abril de 2008

Sorveteiro - Parte VII

(...)

Foi só dar um passo e pensar um pouco que o coração de Silva parou. Os sorvetes de dentro do carrinho, vendo ele gelar-se tão de repente, derreteram-se em respeito: todo o frio do mundo havia migrado para dentro daquele peito. A causa da glaciação estava num simples ligar de fatos, que o leitor também já deve ter feito.

Não será preciso fazer rodeios para revelar o mistério da história - não se trata, aqui, de cânone sherlockiano. Que Maria Bela fugira com o doutor Oswaldo é uma conexão que qualquer um que acompanhou o desenrolar da ação faria. Elementar, meu caro leitor. O que importa, nesse caso, não é o processo de solução do mistério, mas as consequências que ele teve na vida do nosso sorveteiro.

Talvez uma revisão das causas também seja de algum interesse, seguindo aqui a prática forense. Que Maria exalasse feitiço era fato conhecido nosso. Que havia um carro que há muito a procurava, também. E que o doutor Oswaldo não tinha mais um porquê nessa cidade também já foi bem esmiuçado. Nada mais precisa ser dito.

(...)

sábado, 19 de abril de 2008

Sorveteiro - Parte VII

(...)


Antes que o sorveteiro abrisse a boca, o porteiro já foi recheando o ambiente de novidades que não eram de seu interesse. Não falou de Maria Bela, porque não gastaria tempo com mixarias e também nem saberia se algo tinha acontecido. Se farejava os bafos da cidade, tinha que ser de peixe grande. E o último colosso que aconteceu dava seus sinais na sacada do sétimo andar, onde despontava a esposa do doutor Oswaldo. Ficou sabendo pela faxineira do apartamento que o homem sumiu sem deixar rastros nem no escritório, nem no fórum, nem no celular e nem em lugar nenhum.

A notícia pareceu cabível para Silva. Desde o escândalo na escadaria, o doutor não ganhou mais nenhuma causa. Tinha perdido a única virtude que mantia alguém naquela cidade – o status. Nem sua esposa, orgulhosa nos tempos de ouro de Oswaldo, mostrava tanto gosto pelo marido desde então, fato testemunhado até pelo porteiro. O homem estava descontente, a mulher também. Dizem que a conta também não estava assim tão gorda. Melhor a fazer era sair dali; já não tinha mais nenhuma paixão que o segurasse: nem da mulher, nem pelo emprego, nem pela candidatura, que naquela altura não aconteceria mesmo. Entristeceu pelo conhecido -até porque entregaria a quem a confiança na cadeira da câmara?- mas as informações que queria quando foi pra lá eram outras.

- O que interessa Maria qualquer! Deixa de moleira por mulher, homem! O que você tem em gosto, ela tem em descaso! Caso que importa agora é o da advogada aí sozinha, mulher do doutor Oswaldo. Escreve o que eu estou te falando: loguinho, loguinho aparece a imprensa e a polícia aqui me perguntando do sumiço do homem. Pudera eu saber de alguma coisa! Só vi ele saindo vestido de bom pano, mas isso é costume de todo dia. Feliz deve estar a dona, que tinha o apartamento em seu nome e estava só esperando motivo pra mandar embora o... como ela dizia mesmo?... imprestável.

É. Se fosse pra saber de Maria, deveria descobrir sozinho. A cidade se voltaria toda para o mais novo escândalo daquele que já fora cidadão notável. Quem o ajudaria em caso de amor que só a ele cabe? Nem o próprio Silva, se não fosse ele mesmo quem padecesse de emoção partida.

(...)

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Sorveteiro - Parte VI

(...)


Tudo isso até agora foram lembranças que o sorveteiro me fez contar a vocês, leitores. Se quiserem achar o tempo em que a ação realmente ocorreu, verá que ela está aqui, não longe do fim da história. Ela aconteceu no dia em Maria do Carmo, lindamente vestida de Maria Bela, entrou num carro prata, que era seu freguês de longa data. “Deve ser homem de triunfos – nome que Silva dava às notas azul-claro-, e a menina é das mais procuradas. Não é difícil de fazer nascer paixão nos outros. Só ver eu.”

Sua voz sabor groselha adocicava as vontades de qualquer homem que aparecesse, cativando desde exigentes até aqueles que não viam na mulher nada mais que uma perdição passageira - que naquele caso era certa. Ela trazia curvas no corpo, nos cabelos e no falar. Desviava do que não a levasse a seus propósitos, mas mostrava caminho longo e sem entraves a todo assunto de seu interesse. Sereia com pernas - grossas e à vista -, estava desde o início da semana nos reparos de Silva, que a via morder os lábios mais do que o normal. Ela fazia aquilo quando estava pra realizar algo grandioso, então melhor botar o olho.

Desde o dia em que a viu pisar os pés na praça, Silva não deixou o hábito de cronometrar o tempo de cada serviço seu. Viu que esse tempo estava em função do valor do carro: quanto mais caro o veículo, mais demorado o programa. Morreu de preocupação quando uma Ferrari, única na cidade, o privou de ver a moça por duas horas intermináveis. E se algo tivesse acontecido? Foi até o prédio mais alto da região ver com o porteiro- informante de tudo o que acontecia de íntimo na avenida Tiradentes- se tinha visto o tal carro por aí. Esse prédio era a morada do doutor Oswaldo, e o porteiro de lá lhe dera em primeira mão as notícias do caso do juiz, notícias que fizeram crescer a simpatia de Silva pelo engravatado.

Mas a angústia de não ver Bela, no dia da Ferrari, foi só de duas horas mesmo. Logo ele a viu passar com maquiagem nova. Acontece que o carro prata, que nem era tão caro assim, já fazia Silva palpitar pela negrinha por mais de seis horas! Perguntar por ele ao porteiro-informante era mais difícil, havia muitos carros iguais àquele na cidade. Mas ele era sua única fonte de alívio, e foi o que Silva pode fazer.

(...)

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Sorveteiro - Parte V

(...)


Domingo era dia que pedia presença perto das gaiolas dos bichos, no zoológico do parque. Era para onde as famílias iam, com filhos em penca: motivo de vendas abundantes. Quando não estava dando trela a quem passasse perto, Silva estudava com os bichos. O pavão lhe dissera que o motivo da vida é estético, e que tudo o mais, além do belo, é supérfluo. O jabuti, centenário, lhe sussurrara a essência do tempo, em lição de invejar Agostinho, o santo. A família de patos lhe definira a ternura; o pequeno sagüi lhe advertira esperteza. Quando a tempestade mandava o vento avisar sua chegada, os bichos se agitavam, mas logo faziam reverência àquela que era sinal da mãe de todos ali.

Mas o dia estava claro, e a conversa se desenvolvia sem formalidades. Silva foi falar com as araras, as meninas alegres do zôo. Se enfeitavam em cores aqueles bichos. De profundo tinham só o azul e o rubro das penas: no mais era tudo uma festa esvoaçante. Assanhadas, se achegavam perto das grades para ganhar cafuné e, quem sabe, um pedacinho de sorvete. Gritavam para chamar a atenção daqueles que tinham potencial de lhes darem guloseimas. “As meninas do zoológico daqui são como minhas meninas do zoológico de lá”.

Não viu Maria do Carmo no meio delas. Ela estava em jaula de bicho mais evoluído. A viu entre os furões rasteiros, de olhar inquieto e sempre a pensar em algo pra fazer. Faziam cara de bajulação para encantar a todos que passavam, mas se afastavam ligeiros das mãozinhas infantis que não se satisfaziam em vê-los apenas. Não nasceram para ser apertados por vontades que não eram suas.

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segunda-feira, 14 de abril de 2008

Sorveteiro - Parte IV

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A idéia de intenção de voto se dissipou com um estalo. Era um tapa que fora dado pelo advogado vencedor em Oswaldo, desses de doer mais a honra que a cara. Daí para socos, murros e pontapés nas partes impróprias foi questão de segundos. “Isso aqui está mais baixo que a Holanda”, pensou.

Silva se lembrou do seu tempo de escola, quando vingou ciúmes nos olhos do homem bronco que mexera com Elidiana, o primeiro nome a trincar um pedacinho de seu coração. Mas ali, do lado da escadaria do fórum, quem brigava eram homens já barbados. Representantes da justiça de papel escrito, não da do seu tempo de menino. Não conseguiu conter a risada quando comparou sua molecagem de gente sem juízo àqueles ternos que se amarrotavam. Para quê: Oswaldo, seu amigo importante mas humilhado, aquele em quem votaria, ouviu seu descaso na forma de riso. Corou.

Não era de seu feitio ficar de expectador em caso que pede ação, menos ainda de atrapalhar o que já está atrapalhado. Que homem era aquele de deixar conhecido passar vexame, mais ainda na frente de multidão curiosa, que já se formava? Vexame passou ele, engasgando-se em gargalhada no meio de caso tão sério. Não fez mais nada: enfiou a vergonha que era sua e dos doutores no Kiko e foi fazer sua vida de sorveteiro no Parque do Ingá, perto de bichos que se bicam e se mordem menos. “Brigar por território, fêmea e comida tem mais cabimento que brigar por psicológico machucado.”


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domingo, 13 de abril de 2008

Sorveteiro - Parte III

(...)

Entre suas memórias mais vivas estava uma certa tarde em frente ao Fórum –um dos pontos em que Silva trocava o sorvete pelo pão–, a mais abrasante do verão daquele ano. As árvores mostravam em sua silhueta ondulante um vento agradável e a cara de domingo das pessoas desmentia o inferno dantesco, mas não! Não seria o termômetro que marcaria o calor daquele instante! O fogo estava no bate-boca de dois engravatados encolerizados que saíram da casa da justiça aos trancos e barrancos, como se fosse um concurso de palavras chulas. O mais inflamado havia acabado de perder uma causa, justificando que só fizera uso da honestidade, enquanto que o oponente -como bom advogado representante dos dois maiores herdeiros da cidade- só vencera por falta de escrúpulos. Essa foi a parte racional do tumulto: dali pra frente a honra, o nome, a família e até a mãe de ambos foram manchados com muito cuspe verborrágico.

Para Silva, aquela cena era lamentável. O engravatado que perdera era o doutor Oswaldo, advogado de longa data, o que mais lhe dava atenção entre todos dali. Silva desconfiava de suas pretensões políticas quando, sempre no fim da conversa, repetia que "é bom ouvir a voz do povo”. No seu entender, aquele seria o slogan do novo candidato a vereador da cidade. Mesmo tendo adivinhado o que devia ser surpresa, votaria nele. “Era boa gente”.

Isso porque no ano anterior Oswaldo apareceu para o sorveteiro em pose de homem de muito brio: naquela mesma escada, o doutor descia com a postura de quem acabara de ganhar uma causa difícil, famosa na cidade. Tratava-se da história do juiz de mais de sessenta anos que deixara a mulher pra ficar com uma deusa loura de vinte e poucos. A ex-esposa não havia se contentado com as cifras deixadas pelo marido: sua reputação na coluna social não se limparia com tão poucas notas. Entrou na justiça e perdeu pro cliente do doutor Oswaldo, que ficou feliz em realizar o romance do mais novo e badalado casal da região. Silva se lembrava do advogado descer a escadaria ao lado da mulher orgulhosa - já que também era advogada e sabia da dificuldade da empreitada do marido - reluzindo os flashs da imprensa na seda da gravata cor de vinho e nos dentes polidos e à mostra. O sorveteiro, apaixonado que era por Maria do Carmo desde aquela época, tendia a tomar como mocinhos e mocinhas das histórias aqueles que tinham seus corações acalourados por esse sentimento, então viu em Oswaldo um bom homem, porque bom cupido. Mesmo que não se candidatasse, ainda assim daria a ele seu voto de confiança.

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sábado, 12 de abril de 2008

Sorveteiro - Parte II

(...)

Carinho maior que ele tinha era pelas meninas que trabalhavam às margens da praça da Catedral. Nem com o friozinho de outono, daqueles de invadir a espinha, deixavam de usar tão belas saias e comprar seu picolé. Maliciosamente, dizia consigo que elas ensaiavam a profissão em seus produtos. Sentia que parte da experiência delas foi ele quem proporcionou - mesmo sem nunca tê-las tocado, nem mesmo com a mais longa unha da mão esquerda, a do mindinho.

Não que não as desejasse. Há muito queria ter tido a chance de oferecer seu estimado carrinho de sorvetes pra Maria do Carmo: o nome fora revelado, com juras de que só para ele, a troco do itu que dera de presente. Para todos os outros era Maria Bela, a negrinha da pele escorregadia e olhos de Deus-dará.

Silva pedia ali, na porta da casa do Pai, onde trabalhava, sempre mais e mais clientes a todas elas, para que tivessem condições de satisfazer suas alegrias parcas e ainda sobrasse dinheiro para o picolé e tempo para o dedo de prosa.

(...)

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Sorveteiro - Parte I

Nada escapava aos olhos fundos do sorveteiro. De tão enfiados na cara e pequenos, parecia que queriam se esconder, queriam ver e não ser vistos. Não davam explicações de como funcionava o ultra-som que faziam, vendo prenhez em toda sorte de clientes -mulheres e também homens- que tinham algo de interessante para oferecer ao mundo. Quem avistava o dono daquele olhar dizia que dele vinha o frio dos sorvetes que carregava a seu lado, dada a sua cara amarrada, mas que logo se derretia em sorrisos quando alguém se aproximava pedindo algo pra adoçar a boca e esfriar as idéias.


Colhia vivência com os olhos, cercado por uma aura de mistério, mas doava sem cerimônias tudo o que processava naquela cabeça já calva que lhe chegasse à boca, se lhe dessem espaço de fala. Aos tropeços saíam da caverna de voz rouca as histórias que assistia ao lado do carrinho da Bellokiko´s, a quem fizera a gentileza de chamar de Kiko – o Bello ficava por conta dos que assim o viam. Há dez anos construído e há mesmo tempo na companhia de Silva, o carrinho presenciou um quarto da vida daquele que o tomava quase como gente e filho, servindo de ouvidos em dias gelados e sem clientes atenciosos.


(...)

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Pulgas

Há desconfianças que, enquanto não são descobertas, coçam mais que dormir pelado em cima de formigueiro. Ardem, porém, só depois de confirmadas.

Eu tiro uma lasca do meu couro com a unha, sem falar um ai, se um dia a transparência for uma virtude comum entre as pessoas.

Vida em bula

Anador, Antak, Triatec, Rivotril...
Bah!


Prozac! Methedrine!!
Viagra, Preserv, Filax!!!
Ahh...


Easy Test?
Já há mais de mês.
Cytotec.


E duas caixas de Diazepan de uma vez pra acabar logo com a culpa.

Mal-do-século

Para a dúvida
remédio nenhum trazia a cura
e ele morreu se remoendo sem saber o que queria.

Antes tivesse morrido com a certeza de cem pataus
que pensam que a cura de tudo
tá no coração.

Triângulos e poliedros

Fora de casa formavam um trio que dividia despesas na república.
Dentro de casa eram Marido, Mulher e Esposa.

Esposa teve Maria e Ana, filhas de Marido.
Mulher teve José e João, filhos de Marido.

José casou com Fernanda.
Maria casou com Paulo e Pedro.
João casou com Carlos.
Ana tinha uma queda por José
e não casou com ninguém.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Fórmula mágica da paz II

Hiperatividade. Desconcentração. Ansiedade. Agitação.
Pô, cadê o off?

Um bom vinho.
E uma viagem todo mês. Pronto!

O vinho não é tão difícil; se não for, por exemplo, um do sudoeste da França da safra de 85.
A viagem... a gente dá um jeito ou outro pra dar certo. Tá?

;)

Vendo assim de longe...

Por fora, minimalismo.
Por dentro, infinidade.

O mínimo e o múltiplo.
Menos o comum.

É isso o que vejo nela, assim de longe.
Ou tudo que está longe sempre é espelho?

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Instinto de conhecimento

Se o que dá a impressão de que a vida tem uma diversidade infinita é não conhecê-la por completo, então o instinto de querer decifrá-la é a maldição do homem.

sábado, 5 de abril de 2008

Nebulosidade e nudez

Ele quis isolar um fragmento da sua vida, como se tirasse uma foto. Na cadeira e escuro do cinema, durante um filme cuja trama já estava longe dele, conseguiu esse átomo vital.

Estranho. Aquele momento lhe pareceu que seria exatamente como o último minuto de sua vida, o mesmo minuto do cavaleiro do filme que tinha uma espada cravada no peito e dava suas ofegadas finais. Não que lhe doesse, como doía ao cavaleiro, mas oferecia a ele uma visão da vida completamente despida, sem os mistérios que a névoa do dia-a-dia e do contato com os homens faz parecer insondáveis. Não: ele estava ali, nu, como se não tivesse interior nem exterior, como uma superfície branca que não tem nada a dizer, e exatamente por isso arrebata e faz transcender. O branco; puro, escancarado. Instante atomizado durante o filme e instante que precede a morte.

Mas o cavaleiro morreu, junto a seu cavalo, e ele ainda estava sentado na cadeira do cinema, ouvindo um grupo de amigos conversando incovenientemente. E o branco cedeu o lugar que cabia ao escuro. E a névoa baixou novamente, fazendo a vida - que havia lhe aparecido nua e sem pudor - corar e procurar logo sua roupa. E o instante se perdeu entre os muitos que se acumulavam na contagem dos dias.

Ele havia se enganado: seu instante não era o mesmo do cavaleiro agonizante. Porque o momento derradeiro, para aquele, fez a vida parecer uma equação solucionada. Mas ele ali sentado e respirando teria ainda um milhão de variáveis para resolver. Elas só deixariam de aparecer depois que desse seu último suspiro. Acabariam para ele, não para o resto dos homens: variáveis insolúveis são os fios do móbile que é o universo humano.

Soluções

=)

Lugar-comum: nada como um sorriso pra melhorar o ambiente. Mesmo que virtual.


E uma crise de soluços, no auge do cansaço, e não dormir por isso... só dando risada mesmo.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Fórmula mágica da paz

Friozinho + edredon + cama + tempo

Uma soma dessa uma vez por semana.
E uma viagem todo mês. Pronto!