segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Novela mexicana


Tinha a Carmesita como a uma irmã. E a Don Pablo, como seu objeto de desejo do momento. Cedê-lo a ela não era a melhor definição do que deveria fazer: desde sempre, ele já era muito mais de Carmesita. Deveria, ainda que aos poucos, retirar cada pedacinho dele da lembrança, montar com eles a melhor imagem que já fizera de alguém, e entregá-lo sob a porta da casa dela, borrifado de seu perfume favorito, como um cartão de despedida. Despedida da amiga e do amante.

Ela, sua casa, muitos livros para ler e escrever, e a solidão não seria mais que uma visita inconveniente, mas breve. Todos seus relacionamentos haviam sido incomuns. Encontrar outro cheio de percalços seria só uma questão de tempo e criatividade de quem quisesse escrevê-lo.

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(porque a vida pode ser tão brega quanto uma novela mexicana)

domingo, 24 de janeiro de 2010

Sonho


Sonhou com as pessoas e tudo o que teoricamente deveria merecer afeto. Muito além dos irmãos, pais, amigos, paixões, posses... No sonho tinha a capacidade de amar tudo o que existia. Assim poliamorosa, descobriu dormindo que esta é a única forma de amar a si própria. Mas num estalo, percebeu que se aproximava do egoísmo, porque amando a tudo era como se tudo no mundo se referisse a ela - ou mais que isso, que fosse parte dela. Esse amor maior revelou-se um egoísmo maior. Sentiu pavor desse paradoxo.

Acordou num sobressalto e tudo que conseguiu fazer foi afagar sem vontade sua gata carente e sentir desgosto pela cara amassada refletida no espelho. Abraçou o travesseiro novamente e foi sonhar com a Mega-Sena. Não nascera com síndrome de Jesus Cristo.