sexta-feira, 18 de junho de 2010

Verborragia


Quando a indigestão não se resume a antiácidos e chás de boldo, o melhor é cuspir palavras.


Não estava grávida de cinco meses, não tinha prisão de ventre, nenhum espírito a possuia, mas a vontade era de livrar-se de algo que já era muito mais ela que ela mesma. A escoliose estava aguda de carregar aquilo consigo, e cada palavra dita era um plágio involuntário - não era por si que falava. Aquilo que a tomava, porém, não tinha consciência alguma do próprio efeito, o que tornava a existência dela, nesse estado, uma sacola descartável recheada de absurdo.

Vivia papagaiando pensamentos que só a ela interessavam - e seguia ouvindo "ahans" e outros conselhos tão impessoais para quem os formulava como para ela, que os ouvia. E não tinha olhos para o mundo, como a mosca não o tem quando uma lâmpada qualquer a hipnotiza. A luz era míngua e sabidamente sem graça, mas sua fraqueza não permitia virar o pescoço para qualquer outra que lhe dissesse respeito.

Sonhava com o dia em que cuspisse palavras que fossem suas, e não as ditas ao pé do ouvido por algo que ela mesma criara.



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