Ela, aqui, cheira a blusa com que roçou nele ontem. Ele, lá, ri e a fumaça rodopia ao redor das meninas para quem paga mais alguns drinks. Ela experimenta todas as poucas roupas que pode usar além das dez horas de trabalho, prepara-se feito a rainha dos infames. As roupas dele são rasgadas pela pobreza das que aceitam um maço por um amasso. Ela sonha, ele animaliza. Mas, à noite, eles se encontram.
Ele a beija no rosto, ela suspira. Ele a beija nos lábios, ela se esquece dos borrões da maquiagem barata e do perfume feminino no pescoço dele. Ela sonha, ele a animaliza. Ele urra, ela sorri; se encolhe no peito dele, passa os dedos devagarinho sobre sua pele úmida. Ele dorme, ela sonha.
Ele a beija no rosto, ela se encolhe. Ele sai, bate a porta, casaco amassado. Maço no bolso logo vai pr'aquelas que já desistiram de sonhar, que sobrevivem às custas da mansidão daquelas que se desfazem num abraço. Elas gritam pelas cifras, eles ganem de prazer, mas ainda assim ela suspira pelo homem que constroi na imaginação fértil só se for para ele.
Ela passa o dia e as roupas em destemperos. Sorriso cordial por fora, conversa pouco porque grita dentro de si mesma. Toma um antiácido, inútil para seu desejo corrosivo. Ele dá conta do trânsito e dos sadismos do chefe. Ela esquece a panela no fogo, esquece de si mesma em seu fogo-fátuo. Ele se esquece dela.
Chega mais uma noite, ela espera. Veste-se feito uma rainha desfeita. Sorri, sonha, suspira, espera. Mas ele se esquece dela. Ela vai se deitar, cheira a blusa com que roçou nele ontem. Ele rodopia feito a fumaça que samba entre mulheres que ganem em falsete; longe, bem longe dela. Ela se embriaga no cheiro dele num pedaço de pano, cai tonta e tola, e dorme fazendo do travesseiro o peito dele.
3 comentários:
Gostei muito do seu blog. Tentei seguir, mas não estou achando o box.
Gostei.
Muito bom !
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