quinta-feira, 26 de abril de 2012

Uma e meia da madrugada, meu rei

Uma e meia da madrugada, e eu poderia estar agora subindo a escada entrecortada por pernas em zigue-zague, caminho para um bar escuro e de porta apertada. Ali, no balcão, quarta dose pedindo a quinta com o olhar embotado pelo analfabetismo estético. Faço um brinde ao existencialismo demodê e justificável àquela hora da minha sexta. Ray Charles nas caixas de som mandava o pobre do Jack pro alto da barca do inferno. Resolvi acompanhá-lo.


- Hit the road, Jack motherfucker!


A voz saiu alta e sincera o suficiente para que eu ganhasse o quinto copo e a sugestão de não esquecer do gole pra Iansã, que a raiva já passava. Olhei fixo pra mão do meu-rei de sotaque pelourístico segurando o copo. Fui subindo: mão farta, braços fartos, ombros fartos, tudo isso terminando num sorriso emoldurado pela barba mal feita e completo pelos olhos de amêndoas, que sorriam mais que a boca. O acento quente da terrinha longe uns dois dias de viagem se apega a falar mansa e continuadamente. "Salvador, é?!" Ah, meu salvador! Mais uma dose, vai? Blues, livros, umbanda (...) risadas, silêncio desconfortável, gente, viagens... um pouco mais de reticências e risadas. E o Ray dando uma mãozinha com A song for you. Escorrego; derrubo o copo; ele me segura - lembra dos braços fartos?


Escorada na sua boa vontade, reparo no contraste bonito que formávamos. Meus cabelos amarelos desbotados, enrolados em seu pulso, escureciam ainda mais sua pele aconchegantemente negra. Escondi o ridículo do meu descontrole ébrio naquele breu confortável. - Está tudo bem? - E como não estaria, Xangô? Minhas narinas sulinas fumegaram aquela fumacinha de agosto até o vento sul da janela aberta se desviar nas costas de Salvador, que se virou pra me proteger.


E por aí vai nossa noite, meu Ray...

Uma e meia da madrugada, e eu poderia estar subindo as escadas de um bar escuro de porta apertada. Mas estou aqui, em frente ao teclado, sonhando sozinha com um nordeste negro, farto e regado a whisky barato.

6 comentários:

Luisa Nucada disse...

Meu Deus! Isso que eu chamo de uma bela embucetada (pessoa + lugar + sentimento)! Adorei!
E larga de ser Bukowski.

Carol Lá Lach disse...

Bom de mais!

Mayla Nascimento disse...

PARABÉNS ein? blog bom de se ler! ^^

Mayla Nascimento disse...

PARABÉNS ein? blog bom de se ler! ^^

Mayla Nascimento disse...

PARABÉNS ein? blog bom de se ler! ^^

Unknown disse...

Desculpe, nada contra os negros, mas um pouco de hist´ria rela lhe faria bem.
Um Nordeste totalmente negro não é preconceito contra todos os outros?