quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Despossuir-se

Antiga, mas ainda válida.



Um mundo que só cabe em teu olhar...

...olhar que se pensa do tamanho do mundo!

Mira-te da última estrela, pequenos olhos

tua íris cor de terra não vale mais que ela.


Coloca-te no lugar do espinho do cacto.

Vista-te de bosque, vista-te de lago.

Onde está a cachoeira dentro de ti?

Saia de teu corpo apagado.

Sinta os vários corpos a te pisarem: agora és a rua.

Veja o caos urbano por cima, sejas poste.

Derrama-te por sobre o tato das pessoas enquanto choves.

Sejas a mosca a idolatrar restos humanos.

Esvaia-te, ó nuvem,

como o pensamento desses pobres homens enclausurados.


Quanto pode tu de tudo isso?

Quanto fala a ti teu espelho?

Ele te diz: - Ó medíocre, obedeça teus contornos!

ou te convida a mergulhar nos fluidos da vida?


Você, homem, coloca-te nas entranhas de tua mulher

e persiga nela seus passos felinos,

sua voz sibilina,

seu toque rosáceo.

Pode dividir com ela

o momento em que não és tu?

Pode colocar-te no lugar de um desconhecido

no momento em que ele chora?

Pode ter a teu lado

alguém que não te reflita apenas?


Quanto pode tu de tudo isso?

Até que ponto teu corpo está preparado

a mergulhos tão profundos?

Saia de teu corpo apagado, sinta-te a teu redor.

Colha o leite e o mel que jorram da terra,

aprendiz do ser.

Só assim saberás realmente

O que é sentir-te

humano.