segunda-feira, 21 de janeiro de 2008
Peregrino. F.N., sempre portador.
"Quem atingiu dalgum modo a liberdade da razão não pode se considerar na terra outra coisa que um Peregrino, embora não um viajante rumando uma meta final - pois esta não existe. Contemplará e terá os olhos abertos para tudo que acontece no mundo; não ligará o coração em definitivo a nada de único; deve haver nele algo de erradio, pois a sua alegria está no mutável e no inconstante. Por certo cairão noites penosas sobre um homem desse - quando estiver cansado e encontrar fechadas as portas da cidade, que lhe deveria repouso. Pode ser, ainda mais, que o deserto chegue até a elas, como no Oriente, e as feras ululem, ora perto, ora longe, e um vento forte se eleve, e os salteadores lhe roubem os animais de carga. Desce então uma noite terrível, como um segundo deserto, e o Peregrino se sentirá exausto no coração. Quando o sol levantar, abrasando como a divindade da ira, abre-se a cidade, e nas faces dos habitantes ele verá talvez mais deserto, mais sujeira, mais embuste e mais insegurança do que fora de portas - e o dia será quase pior que a noite. Isto pode, na verdade, ocorrer a um Peregrino; mas depois virão, como recompensa, manhãs deleitosas, noutra paragem e noutro dia, onde, através do dilúculo, verá bandos de musas bailarem perto, na névoa das montanhas; onde, em seguida, quando passear à sombra das árvores, na serenidade da manhã, cair-lhe-ão, dentre os ramos e a folhagem, coisas boas e claras, dádicas dos espíritos livres, que se acomodam bem, como ele, nos montes, nas florestas e solidões, e são, como ele, de maneira ora alegre, ora pensativa, peregrinos e filósofos. Oriundos do mistério da madrugada, pensam no que pode fazer tão pura, luminosa, jovialmente transfigurada a fisionomia do dia entre a décima e décima segunda pancada do sino: anda a buscar a Filosofia da Manhã".
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Um comentário:
Me faz pensar o quanto sou fechado nesse feudo.
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