terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

A gravura

Andando de carro com mais um de seus companheiros neutros, lhe vem a seguinte hipótese-imagem:

Cada ser humano que passou pela Terra é como algo que a tracejou de alguma forma. Um lápis, giz, carvão, pirógrafo, pincel, navalha... A atuação sobre o mundo identificava qual instrumento a pessoa tinha sido. Embora muitos fossem parecidos, cada um tinha sua sutileza -ou diferença gritante- que fazia o traço ser só seu. Curvo, reto, longo, descontínuo, torto, à esquerda, evanescente... A diversidade era incrível.

O planeta, essa tela finita, já tinha camadas e camadas de emaranhados sobrepostos. Era quase um Pollock. O desenho que hoje formava, não mais identificável, era criticado por alguns -precisamos de borrachas e de novos artistas!- e louvado por outros -esse caos é a verdadeira obra de arte. Que venham mais pinceladas, eternamente!

O traço que ela mesma fazia? Não tinha muita certeza, nem havia olhado para trás. Não se interessara. Gostava de ver os rabiscos dos outros.


Parando num sinal, o rapaz a seu lado pergunta:
-Por que tão quieta?
Ela olha para ele, vê aquela cara de caneta Bic comprada em qualquer mercado, e desanima.
-Por nada.