sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Maria não pára II

E a mãe nunca entendia. Não é que a pequena não lhe ouvia. É que um milhão de vozinhas ecoavam dentro dela, e nunca em coro. Cada uma tentava impor seu tom, e cada tom vencedor era uma ordem diferente pra Maria.
Daí a capacidade da menina de num minuto sentir-se deusa e no outro, trapo: um milhão de vozes eram um milhão de estados de espírito.

Já a mãe... ah! A vida fixou-lhe as expressões do rosto e as emoções que antes o modificavam. Do café as 7 ao jantar as 7, o sorriso escorregadio, quase caindo do cantinho da boca, era ininterrupto como as horas que ditavam seu ritmo. Seu tom de voz também era sempre o mesmo. Mariquinha nunca saberia que ela era assim porque apenas uma das vozinhas - que a mãe também tivera aos milhares - venceu e tiranizou todas as outras. E também não podia imaginar que, se deixasse, também seria tomada por esse gesso.

Mas por que, painho, por que e como isso acontecia? Por que de gente, as pessoas passavam a ser máquinas, e, por fim, essas máquinas viravam objetos tão sem vida quanto aparadores de estantes cheias de páginas nunca abertas? Mais que isso: como voltar atrás?

Maria ainda não precisava pensar nisso. E a mãe já não podia: as horas impunham sua voz inquestionável.

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