terça-feira, 15 de julho de 2008

Cervos, dentes e tigres


Tem momentos em que a pasmaceira é tão grande quanto o instante em que o cervo, já milimetricamente analisado pelo tigre, esquece-se de sua posição desprivilegiada na teia alimentar. Nesse instante, para o cervo, existe só ele e campo, ou ele e crias, ele e manada; nunca ele e dentes rasgando-lhe o pescoço. A vida se passa como se cheia de harmonia e plenitude: a natureza não lhe oferece fartura, mas também não lhe exige mais que dar alguns passos enquanto se alimenta. O sol toca-lhe o couro como a um carinho cândido e despretensioso. Beleza simétrica das ciências exatas.

É um marasmo próximo aos que nos acontecem esporadicamente. Minimalistas, como que enxugamos nossos descomedimentos cotidianos. Deveres nos somem, prazeres também. Pensamentos migram para um ponto de fuga que dá em lugar nenhum. A este estado, só consigo comparar um dia frio de céu azul e sol à vista ou a abstração de uma folha em branco.

Mas num átimo o tigre mostra suas intenções e o cervo retoma seu lugar na teia. De duas, uma: ou este desmaterializa-se em satisfação tigrina ou termina sua fuga triunfal em orgulho próprio e bons genes para as próximas gerações. Não fosse o tigre, o cervo seria só mais uma existência estúpida.


Pois bem. Às vezes o pasto nos cansa e meio que esperamos os felinos. Torcemos para que eles nos apareçam, mesmo que para terminarmos entre seus dentes.

3 comentários:

Denis Forigo disse...

mas há momentos que duram uma eternidade... ou uma humanidade. triste...

Wilson Guerra disse...

Mas a foto do tigre tá show!

Jéssica Butzge disse...

Sem palavras. Maílão leu-me. Mais uns meses e certamente terás seu veredicto!