quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

3:00...

...e uma vontade grande de não sei o quê nem quando.
Menos de dormir.

Malditos hipertextos.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Você é romeno?

Na fila para o Quatro meses, três semanas e dois dias, duas senhoras conversam em tom razoável no mesmo idioma que o do filme.
"Você é romeno?", perguntava a mais falante àqueles que saíam da sessão anterior.
Entre uma aula de culinária duvidosa, de como fazer polenta despejando-a numa mesa e cortando-a com um barbante, e a explicação das condições de vida na Romênia de sua época, a senhora me diz como interpretar o filme. O tom era impositivo, lembrando todos personagens com quem as protagonistas tinham que se relacionar. Vendo as primeiras imagens, dispara: "Toda desarrumada, feia [sobre Bucareste, capital da Romênia]. Dá vontade de falar um palavrão. Meeerda!"
Como era o país quando partiu? "Você ouve falar das Farc, da Colômbia? Na Romênia era assim, todos tinham medo de todos. Quando meus netos perguntam porque vim para cá, respondo isso." As duas vieram sozinhas, em 1959, sem conhecer ninguém por aqui. Vendo a personagem do filme usar uma sacola plástica para não manchar de sangue a cama do hotel onde faria aborto, diz que algo, pelo menos, melhorou. "Há 20 anos, última vez que fui para lá, tinha que pagar o equivalente a um real por sacola quando ia ao mercado. Ou voltava com as coisas na mão".
Sobre o tema do filme, diz que vira uma amiga usar duas agulhas de tricô para retirar seu filho indesejado. Apenas isso, sem mais julgamentos, como fez o diretor Cristian Mungiu.
No fim da sessão, cantarola a música que toca junto aos créditos do filme. Saudades? "Ahhh, da polenta e do cérebro empanado", o prato da última ceia.
Assim, tensa, é a sensação que fica das senhoras, do filme e de seu país.

Parindo-se na paulicéia

Aquela sensaçao de que nasci novamente. Eu, parida de mim. Novamente abrindo os olhos para o mundo toda vez em que ele me surpreende, como se fosse a primeira vez. E dessa, ele me disse: "Sim, a vitamina urbana é possível. A mistura que alimenta. Nao mais os já indigestos branco e negro puros, mas tons de cinza ao infinito. Tudo isso ao alcance de teus olhos, tua língua, tua pele. Aproveita entao, pequena, estes novos sabores e recria-te!"

Triste saber que, depois de provar do nutritivo caos urbano, voltarei ao velho copo de leite de verdades já azedas e imutáveis. De volta à rotina, aquela nossa filha única e mimada de cada dia. Mas o gostinho do caos, ahhhh! Esse eu nao esqueço mais. Nem do caos, nem daquele que me ajudou (e que também ajudei) a provar dele.

Em Sao Paulo, o adeus é um até logo. Até o próximo parto.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Despossuir-se

Antiga, mas ainda válida.



Um mundo que só cabe em teu olhar...

...olhar que se pensa do tamanho do mundo!

Mira-te da última estrela, pequenos olhos

tua íris cor de terra não vale mais que ela.


Coloca-te no lugar do espinho do cacto.

Vista-te de bosque, vista-te de lago.

Onde está a cachoeira dentro de ti?

Saia de teu corpo apagado.

Sinta os vários corpos a te pisarem: agora és a rua.

Veja o caos urbano por cima, sejas poste.

Derrama-te por sobre o tato das pessoas enquanto choves.

Sejas a mosca a idolatrar restos humanos.

Esvaia-te, ó nuvem,

como o pensamento desses pobres homens enclausurados.


Quanto pode tu de tudo isso?

Quanto fala a ti teu espelho?

Ele te diz: - Ó medíocre, obedeça teus contornos!

ou te convida a mergulhar nos fluidos da vida?


Você, homem, coloca-te nas entranhas de tua mulher

e persiga nela seus passos felinos,

sua voz sibilina,

seu toque rosáceo.

Pode dividir com ela

o momento em que não és tu?

Pode colocar-te no lugar de um desconhecido

no momento em que ele chora?

Pode ter a teu lado

alguém que não te reflita apenas?


Quanto pode tu de tudo isso?

Até que ponto teu corpo está preparado

a mergulhos tão profundos?

Saia de teu corpo apagado, sinta-te a teu redor.

Colha o leite e o mel que jorram da terra,

aprendiz do ser.

Só assim saberás realmente

O que é sentir-te

humano.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

Peregrino. F.N., sempre portador.

"Quem atingiu dalgum modo a liberdade da razão não pode se considerar na terra outra coisa que um Peregrino, embora não um viajante rumando uma meta final - pois esta não existe. Contemplará e terá os olhos abertos para tudo que acontece no mundo; não ligará o coração em definitivo a nada de único; deve haver nele algo de erradio, pois a sua alegria está no mutável e no inconstante. Por certo cairão noites penosas sobre um homem desse - quando estiver cansado e encontrar fechadas as portas da cidade, que lhe deveria repouso. Pode ser, ainda mais, que o deserto chegue até a elas, como no Oriente, e as feras ululem, ora perto, ora longe, e um vento forte se eleve, e os salteadores lhe roubem os animais de carga. Desce então uma noite terrível, como um segundo deserto, e o Peregrino se sentirá exausto no coração. Quando o sol levantar, abrasando como a divindade da ira, abre-se a cidade, e nas faces dos habitantes ele verá talvez mais deserto, mais sujeira, mais embuste e mais insegurança do que fora de portas - e o dia será quase pior que a noite. Isto pode, na verdade, ocorrer a um Peregrino; mas depois virão, como recompensa, manhãs deleitosas, noutra paragem e noutro dia, onde, através do dilúculo, verá bandos de musas bailarem perto, na névoa das montanhas; onde, em seguida, quando passear à sombra das árvores, na serenidade da manhã, cair-lhe-ão, dentre os ramos e a folhagem, coisas boas e claras, dádicas dos espíritos livres, que se acomodam bem, como ele, nos montes, nas florestas e solidões, e são, como ele, de maneira ora alegre, ora pensativa, peregrinos e filósofos. Oriundos do mistério da madrugada, pensam no que pode fazer tão pura, luminosa, jovialmente transfigurada a fisionomia do dia entre a décima e décima segunda pancada do sino: anda a buscar a Filosofia da Manhã".

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Maria não pára

- Pára, Mariquinha. Pára de ficar esculpindo esses bonecos de gente que você não conhece!

- Como, mainha, se tem tanta argila sobrando no meu sótão?

A alegria é leviana

Tristeza não tem fim, poeta, pq o buraco é sempre mais profundo e aconchegante.
Por isso, andar só se for dando pulinhos. De all-star colorido e com os cadarços desamarrados.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Estética do desagradável

ESTETA
ES-TETA
EX-TETA
Câncer.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Biodigestor

- Esse torresmo estava muito salgado. Melhor comer um ovo pra esquecer que botei isso na boca.
Se os ingredientes não eram os mesmos, ao menos a cena se repetia, de segunda a sexta, nas manhãs de Norberto Almeida. Seu estômago avestrusco não o impedia de degustar nada, do visco ao acre. Daí o apelido: biodigestor.
Durante o engarrafamento até o trabalho, os chiclés de hortelã, tutti-frutti e... do que é isso mesmo? revezavam em seus molares. Chegando ao escritório, santa Gertrudes já havia preparado o licor matinal:
- Ah! Que café!
Ao meio dia em ponto, seu Bigode já tinha em mente pelo menos um pedido de almoço, mesmo na correria que o horário trazia a seu restaurante.
- Sua moela ao molho já está no fogo, Sr. Almeida.
Amendoim, refresco de uva, bananas passas... Norberto via sua volta do trabalho como um roteiro: seus petiscos eram os pontos turísticos.
Ufa! Nada como chegar em casa, ligar a televisão e dar de cara com a novela, cuja trilha sonora se confundia com a sinfonia da pipoca estourando na panela.
E assim caminhava Norberto Almeida, biodigerindo sua vida.