segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A tola

Ela, aqui, cheira a blusa com que roçou nele ontem. Ele, lá, ri e a fumaça rodopia ao redor das meninas para quem paga mais alguns drinks. Ela experimenta todas as poucas roupas que pode usar além das dez horas de trabalho, prepara-se feito a rainha dos infames. As roupas dele são rasgadas pela pobreza das que aceitam um maço por um amasso. Ela sonha, ele animaliza. Mas, à noite, eles se encontram.

Ele a beija no rosto, ela suspira. Ele a beija nos lábios, ela se esquece dos borrões da maquiagem barata e do perfume feminino no pescoço dele. Ela sonha, ele a animaliza. Ele urra, ela sorri; se encolhe no peito dele, passa os dedos devagarinho sobre sua pele úmida. Ele dorme, ela sonha.

Ele a beija no rosto, ela se encolhe. Ele sai, bate a porta, casaco amassado. Maço no bolso logo vai pr'aquelas que já desistiram de sonhar, que sobrevivem às custas da mansidão daquelas que se desfazem num abraço. Elas gritam pelas cifras, eles ganem de prazer, mas ainda assim ela suspira pelo homem que constroi na imaginação fértil só se for para ele.

Ela passa o dia e as roupas em destemperos. Sorriso cordial por fora, conversa pouco porque grita dentro de si mesma. Toma um antiácido, inútil para seu desejo corrosivo. Ele dá conta do trânsito e dos sadismos do chefe. Ela esquece a panela no fogo, esquece de si mesma em seu fogo-fátuo. Ele se esquece dela.

Chega mais uma noite, ela espera. Veste-se feito uma rainha desfeita. Sorri, sonha, suspira, espera. Mas ele se esquece dela. Ela vai se deitar, cheira a blusa com que roçou nele ontem. Ele rodopia feito a fumaça que samba entre mulheres que ganem em falsete; longe, bem longe dela. Ela se embriaga no cheiro dele num pedaço de pano, cai tonta e tola, e dorme fazendo do travesseiro o peito dele.

domingo, 17 de outubro de 2010

Aquilo

Aquilo só pode ser carregado consigo. Amigos nunca são, sempre estão de passagem - e na próxima estação podem entregar aquilo-que-só-pode-ser-carregado-consigo a pessoas que não sabem que teu mundo gira ali. Dizer para a mãe, pai, alguém de sangue com a mesma matiz que a sua? Aquilo-que-só-pode-ser-carregado-consigo não teria a mesma clareza para seus genitores que tem para você. Analista, astróloga, padre, puta? Eles já têm que dar conta de segredos infindáveis, próprios e dos outros - e o seu, engana-se, nunca é equiparável ao de ninguém.

Perdoem-me os crentes, mas nem mesmo Deus diminui o peso daquilo-que-só-pode-ser-carregado-consigo. Quiçá uma pitada de fé, e ele tivesse me incluído na lista dos que têm as escolhas menos recheadas de tensão - "porque Ele quis que fosse assim". Mas a experiência dos outros me faz lembrar que Ele sempre relega a decisão ao livre-arbítrio humano. O peso da escolha, do segredo e da ideia-fixa é um peso que nem Deus quer carregar.

Aquilo-que-só-pode-ser-carregado-consigo é tudo o que você precisa resolver, mas o mais próximo que chega disso é ruminar longas horas sobre o assunto, para voltar sempre no ponto inicial. É o redemoinho que te engole toda vez que a vida exige produção, foco, coerência. Mal o dia começa - e mesmo que sua jornada comece no meio do dia -, e ele está lá, te olhando com o sorriso maldito de "sua fuga sempre vai cair em meus braços." Diferente da ambição, não te leva a lugar nenhum além de você mesmo.

Por ele, estoques inteiros foram esgotados, na ilusão de que o dinheiro que some da conta bancária levasse consigo um pedacinho da obsessão. Textos inspirados foram escritos em blogs salpicados por aí, tentativas frustradas de organizar a sintaxe e a semântica do desejo. Expor a angústia ao mundo nunca é a chave para a dissolução da própria responsabilidade. Mas aquilo-que-só-pode-ser-carregado-consigo sempre será, por definição, aquilo-que-só-pode-ser-carregado-consigo.

É pequeno como seu mundo, mas aquilo-que-só-pode-ser-carregado-consigo é também um mundo inteiro pra carregar, sozinho, nas costas.

sábado, 16 de outubro de 2010

Abraço utópico

O abraço é uma utopia realizada. Emudece a realidade estridente e faz cantar um mundo harmônico a dois.


terça-feira, 12 de outubro de 2010

Mulheres na vitrine

A amante

As sacolas estampadas por mulheres com bocas lascivas está sobre a cama. As roupas, espalhadas, não têm o mesmo apelo de quando estavam na vitrine com iluminação dourada. Em cima do lençol onde dormimos ontem, elas parecem desbotadas. Perde o sentido o cheiro de tecido novo, quando o que me move nos últimos dias é aquele que você esqueceu em mim, mistura de perfume, sexo e suor. Perde o sentido voltar das compras se a vontade é que eu fosse seu produto - o único das suas prateleiras. Usável, abusável e recliclável na medida exata do meu desejo, não do seu.

A esposa mal-amada

- Aniversário de casamento? Puxa, amor, desculpe por deixar passar batido.
Por que a memória efêmera não é a mesma em relação ao cartão de crédito? Seriam horas a menos perto da sua barriga acumulada em dez anos de casamento, mais flácida que nossa última investida romântica frustrada. Longe da onipresença da pança, consigo me enxergar melhor no reflexo das vitrines. O espelho de nosso quarto já está embotado de hipocrisias.

A apaixonada

Lembranças nossas de ontem rodopiam nas rendas da roupa da manequim. Em frente às minhas divagações, a modelo de plástico toma meus contornos, ganha movimento e termina num abraço no manequim masculino ao lado - éramos nós dois naquele lapso de tempo único que é tocar um ao outro. Não, esse vestido não foi feito só para mim: seu caimento ficaria bem se roçando suas pernas. Fico com ele - e, quem sabe, com você tocando nele. Termino o dia lânguida como uma seda chinesa, que repousa satisfeita num passado colorido por uma aquarela imaginária, mas espera ansiosa por um futuro a seu lado que vivifique meus automatismos.



sexta-feira, 23 de julho de 2010

Cumprindo papeis

"quando o frio, a dor nas costas e a rotina escrava são vencidos pelo voyeurismo"

A proximidade do dia dos namorados, mais que o incômodo do andar esquivo das milhares de pessoas no coração do comércio ilhéu, oferece um menu farto de figuras humanas observáveis. Flanando por ali, eu já tinha me cansado de mirar a velha curvada com o bebê gordo no colo, até que um homem com um papel na mão quase me derruba num esbarrão. Desculpa pra quê, se o que importa nesse mundo são os prazos? Depois do incidente, começa minha caça àquela pessoa em fuga - e dura não mais que dez minutos, o suficiente para pensar numa vida de possibilidades sobre o desconhecido. O mistério? Só o porquê da pressa e daquele papel na mão. Não era minha pretensão decifrar a humanidade em um só personagem.

Não fosse a correria exagerada, ele não tinha nada demais. Relativamente bem apessoado, porte médio, cabelos castanho-escuro, camisa listrada em branco e azul marinho, calça jeans aprumada. A discrição não atraia tantos olhares femininos, mas caso alguma mulher insistisse, seria desencorajada pela aliança dourada de quase um centímetro de largura brilhando no dedo anular da mão esquerda. Como o sapo de cores berrantes expõe na pele seu veneno, o apressado passante gritava ao mundo sua indisponibilidade em ouro 18 kilates.

Atravessamos a praça XV de Novembro. Ah! Não há como não se maravilhar com a figueira sustentada por pilares frágeis que não condizem com sua grandiosidade. O tempo naquela praça parece que resolveu se aposentar ao mesmo tempo que os frequentadores do lugar, só pra ver a árvore crescer milimetricamente. Os senhores e poucas senhoras dali já não se atentam ao zum-zum da cidade, que acelerariam o ritmo de suas vidas já bem perto da corrida final. Próximo à figueira, o último suspiro parece mais demorado e distante.

Mas é só dar um passo além do ambiente mítico da praça que a realidade sai do slow-motion e avança em fast-forward. E eu, que havia me perdido em devaneios, perdi também meu personagem, misturado entre os milhares de apressados da Rua Deodoro. Elocubrações sobre a vida e a morte são desperdício de tempo e dinheiro. Esse pensamento era inverso ao do jovem Hare-Krischna de veste laranja-fogo e um tufo de cabelo amarrado na parte de trás da careca reluzente. Ele tentava tentava se comunicar com os passantes arreganhando um sorriso bobo de quem viu o nirvana e não voltou mais. Justo para quem ele tentou entregar seu folder de amor pelo mundo? Para meu personagem, que retornou à minha mira depois de avistado no encontro insólito. O papel na mão do homem não permitiu que ele recebesse o folder das boas novas, decepcionando o bem-intencionado "careca-com-tufo-zen".

Avistei o logo de uma loja de roupas que despontava há uns 15 metros à nossa frente. Ele entrou no lugar, que vendia produtos desejados por adolescentes entre os seus 12 e 20 e poucos anos de idade. Modinha Malhação, com direito à banners de surf e casais de corpos esculpidos em praias paradisíacas na vitrine. Não era exatamente a moda sóbria do homem em fuga. Alí, um micro pedaço de pano multicolorido, que no lugar era chamado de saia, custava mais que a compra mensal de muita dona-de-casa para uma penca de filhos.

Enfim, as peças encaixaram-se: o homem era gerente da loja e o papel devia ser algum boleto de compra de uma loura cujo tamanho do crédito bancário e do silicone eram inversamente proporcionais à paciência. Nem com mil perdões pela demora de dez minutos o gerente conseguiu arrancar-lhe um esboço de sorriso. Do alto do salto à lá Carmen Miranda, a loura presenteou-se a si mesma e ao namorado com um amontoado de sacolas cheias, revelando para a amiga que o prazer da compra foi embora com a espera fastidiosa. Ela não tinha tempo a perder: parecia estar atrasada para a consulta no esteticista. As duas peruas seriam ótimos personagens a observar, não fosse nossa pressa - a delas, para tratar da cútis; a minha, para não perder o ônibus. Pois bem, que se cumpram os papeis.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

De tato inteiro

Quero-te de tato inteiro. Da nuca ao calcanhar emaranhado, até a última gota de humanidade escorrida, para se dissolver num animal abatido de quem eu possa me ver livre e sem troféus pendurados na lembrança. Numa visita, eu assistiria a ilusão que fiz de ti debater-se em pedras, apanhar feito potro mal-domado até se desfazer em defeitos. Uma, duas, três horas de tua prepotência, até que eu disesse chega, adeus, quem sabe até mais ver.

Aos silvos, te assopraria sobre mil poros cansados nosso desejo, único sobrevivente aos mal-entendidos subentendidos em ausências. Pintaria teu quadro de velho sedutor mas cansado, de alguém que não tem sua força vital senão aqui - e também ali, acolá e em outros portos contados a dedo, uma mão inteira deles. "Agora é a vez do dedo anular - tenha paciência, caro indicador". Seria uma frase aceitável se assumida, e não adivinhada em rastros e pegadas mal-disfarçadas.

Mas agora, ah, agora eu te quero de tato inteiro; que os outros portos, dedos e passado virem abstração. Menino vadio, sem mentir pra você, vem sem fantasia: fraco, tonto, meu. Só da noite pro dia; até que nosso quadro barroco derretesse num borrão cuspido no chão da praça pública. Até que restasse uma tela em branco, sem antes nem agora, à espera de um depois feito de matizes diferentes das suas.

domingo, 20 de junho de 2010

Só no papel

Eu não saberia definir o que me atrai em você se não tivesse como testemunhos únicos o papel e a caneta. As sinapses já não ajudam, insistem em cair no lugar-comum você quando o correto seria desembocar num eu.
Não, meu umbigo não é o cais dos meus impulsos. A busca é mais por um eu coletivo, por uma unidade que se reflete em você, mas também nele, ou ali, ou quem sabe num outro além. É meu tesão pela humanidade que deveria reluzir em sua testa.

Nada de heroico nem aclamado pela coletividade. Quero, sem nem saber bem como querer, o instinto de sobrevivência e seu filho egoísmo, num convívio frágil com o jeito pueril e a necessidade de aprovação. Os erros, finalmente tolerados pelo meu superego bolchevique. Quero uma defesa imatura, que permita a invasão aos seus ridículos, para só assim tolerar os meus. Quero isso em você, mas também nele, ou ali, ou quem sabe num outro além.
Mas isso, nem você, ele ou mais ninguém precisam saber. Só o papel e a caneta.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Verborragia


Quando a indigestão não se resume a antiácidos e chás de boldo, o melhor é cuspir palavras.


Não estava grávida de cinco meses, não tinha prisão de ventre, nenhum espírito a possuia, mas a vontade era de livrar-se de algo que já era muito mais ela que ela mesma. A escoliose estava aguda de carregar aquilo consigo, e cada palavra dita era um plágio involuntário - não era por si que falava. Aquilo que a tomava, porém, não tinha consciência alguma do próprio efeito, o que tornava a existência dela, nesse estado, uma sacola descartável recheada de absurdo.

Vivia papagaiando pensamentos que só a ela interessavam - e seguia ouvindo "ahans" e outros conselhos tão impessoais para quem os formulava como para ela, que os ouvia. E não tinha olhos para o mundo, como a mosca não o tem quando uma lâmpada qualquer a hipnotiza. A luz era míngua e sabidamente sem graça, mas sua fraqueza não permitia virar o pescoço para qualquer outra que lhe dissesse respeito.

Sonhava com o dia em que cuspisse palavras que fossem suas, e não as ditas ao pé do ouvido por algo que ela mesma criara.



sábado, 29 de maio de 2010

Maldição II

Estava tatuado na testa o estereótipo rico, trabalhador, adúltero, egoísta. Esses traços se riscam antes mesmo de qualquer esboço de homem.

Rico, trabalhador, adúltero, egoísta e uma mulher ao lado que, embora soubesse disso tudo, não saberia se desvencilhar do emaranhado dessa condição. Um quadro clássico, inevitável, saído da imaginação de Sófocles.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Adeus a Midas?


Obsessões substituindo obsessões, num ciclo cármico. O sentimento é o mesmo aquele na gangorra pré-escolar, frente ao objeto superestimado, aos seis anos. Desde a troca dos dentes de leite, ainda não houve espaço nem para deixar de desejar, nem para transformar o desejo em realização duradoura. Os objetos desse impulso, embora eternamente substituídos, mantinham sempre a mesma aura.

Maldição oposta à de Midas: tudo o que lhe fosse palpável perdia o brilho áureo. Daí o fato de gostar de longe, e gostar só do que também gosta de longe e lhe nega presença. Quando dois Midas se encontram, o resultado é a repulsa. Experimentara esse resultado uma infinidade de vezes - não era uma questão de aprendizado, mas de natureza. Pavlov, aqui, não teria vez.

Talvez encontrasse, um dia, um rei amaldiçoado tão cansado quanto a si.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Outro olhar

Mostrar a cidade para quem chama de pedaço de paraíso o que enxergamos como casa-trabalho-casa pode ser tão intrigante quanto a novidade que é para os que aqui chegam pela primeira vez. Mais que turistas, a velha amiga Manu e o novo amigo Lucas - pela companhia e pela "missão" que assumi com a vinda deles - também foram guias de um outro olhar para Florianópolis.

O verde-turmalina da água pareceu ganhar de volta o encanto perdido com a familiaridade. O trajeto centro-norte ficou mais longo, mas nem por isso mais cansativo, porque dele foi possível ver novamente o domínio da mata exuberante pouco valorizada pela vontade de chegar logo. Até a tatuíra asquerosa retomou a graça que tinha quando, aos dez anos de idade, era possível caçá-las ao lado da sinalização de mar bravo. E nem mesmo a falta de decisão do cidadão que deixou uma placa escrito "talvez eu venda" em frente à própria casa teria sido tão hilária.

Mas em se falando de Manu, a viagem também é sempre para dentro, como não podia deixar de ser com uma psicóloga - não a chamo de futura psicóloga porque a sensibilidade já está ali. Como sempre, a saudável mania de "vasculhar cada pedrinha do fundo dos nossos oceanos". Somado a essa visão profunda do outro, tembém fez companhia o senso de justiça tocante de Lucas, que me fez sentir menos envergonhada das próprias falhas morais do que deu prazer em reconhecer que essa dignidade ainda subsiste em algumas pessoas.

O incomum no que infelizmente passa despercebido: recuperei na cidade, relembrei nos amigos.


terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Far


Aquilo que é distante é sempre mais necessário que o que está a nosso alcance. Especialmente as pessoas. Seus defeitos se escondem em névoas, os bons momentos compartilhados parecem mais doces que quando degustados. A ausência usa uma paleta colorida para restaurar uma obra gasta e muito pouco prima, para pendurá-la numa parede recém pintada. Dentre os ângulos, lembramos apenas dos que são dignos de habitar o Olimpo das reminiscências.

Ao nosso lado, o outro se mostra no seu estado bruto, cheio de aparas, arestas, sobras e faltas. Sem desafios, não nos provoca mais a velha obsessão da criança em desespero pelo presente que ainda não ganhou. A única coisa que realmente interessa nas pessoas é o que adornamos nelas com nossa imaginação ou é imaturidade não contentar-se com o real, mesmo que aguado? Porque se for isso, meu Zeus, que o tempo nos ensine a amá-las, porque essa alternância de Gata Borralheira presente e Cinderela distante é frustrante demais.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Ryszard Kapuscinski e o jornalismo empático

Quando já estou cansada de ouvir que jornalistas são pretensiosos e arrogantes, como se essas características fossem quase pré-requisitos para se exercer a profissão - bem mais importantes que o diploma -, Kapuscinski vêm ao meu socorro.
Empatia e discrição, caros. Pero él habla, "obviamente, del buen periodismo." Dica.

"Creo que para ejercer el periodismo, ante todo, hay que ser un buen hombre, o una buena mujer: buenos seres humanos. Las malas personas no pueden ser buenos periodistas. Si se es una buena persona se puede intentar comprender a los demás, sus intenciones, su fe, sus intereses, sus dificultades, sus tragedias. Y convertirse, inmediatamente, desde el primer momento, en parte de su destino. Es una cualidad que en psicología se denomina ‘empatía’. Mediante la empatía, se puede comprender el carácter propio del interlocutor y compartir de forma natural y sincera el destino y los problemas de los demás. En este sentido, el único modo correcto de hacer nuestro trabajo es desaparecer, olvidarnos de nuestra existencia. Existimos solamente como individuos que existen para los demás, que comparten con ellos sus problemas e intentan resolverlos, o al menos describirlos. El verdadero periodismo es intencional, a saber: aquel que se fija un objetivo y que intenta provocar algún tipo de cambio. No hay otro periodismo posible. Hablo, obviamente, del buen periodismo”.


segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Novela mexicana


Tinha a Carmesita como a uma irmã. E a Don Pablo, como seu objeto de desejo do momento. Cedê-lo a ela não era a melhor definição do que deveria fazer: desde sempre, ele já era muito mais de Carmesita. Deveria, ainda que aos poucos, retirar cada pedacinho dele da lembrança, montar com eles a melhor imagem que já fizera de alguém, e entregá-lo sob a porta da casa dela, borrifado de seu perfume favorito, como um cartão de despedida. Despedida da amiga e do amante.

Ela, sua casa, muitos livros para ler e escrever, e a solidão não seria mais que uma visita inconveniente, mas breve. Todos seus relacionamentos haviam sido incomuns. Encontrar outro cheio de percalços seria só uma questão de tempo e criatividade de quem quisesse escrevê-lo.

...

(porque a vida pode ser tão brega quanto uma novela mexicana)

domingo, 24 de janeiro de 2010

Sonho


Sonhou com as pessoas e tudo o que teoricamente deveria merecer afeto. Muito além dos irmãos, pais, amigos, paixões, posses... No sonho tinha a capacidade de amar tudo o que existia. Assim poliamorosa, descobriu dormindo que esta é a única forma de amar a si própria. Mas num estalo, percebeu que se aproximava do egoísmo, porque amando a tudo era como se tudo no mundo se referisse a ela - ou mais que isso, que fosse parte dela. Esse amor maior revelou-se um egoísmo maior. Sentiu pavor desse paradoxo.

Acordou num sobressalto e tudo que conseguiu fazer foi afagar sem vontade sua gata carente e sentir desgosto pela cara amassada refletida no espelho. Abraçou o travesseiro novamente e foi sonhar com a Mega-Sena. Não nascera com síndrome de Jesus Cristo.