sábado, 5 de abril de 2008

Nebulosidade e nudez

Ele quis isolar um fragmento da sua vida, como se tirasse uma foto. Na cadeira e escuro do cinema, durante um filme cuja trama já estava longe dele, conseguiu esse átomo vital.

Estranho. Aquele momento lhe pareceu que seria exatamente como o último minuto de sua vida, o mesmo minuto do cavaleiro do filme que tinha uma espada cravada no peito e dava suas ofegadas finais. Não que lhe doesse, como doía ao cavaleiro, mas oferecia a ele uma visão da vida completamente despida, sem os mistérios que a névoa do dia-a-dia e do contato com os homens faz parecer insondáveis. Não: ele estava ali, nu, como se não tivesse interior nem exterior, como uma superfície branca que não tem nada a dizer, e exatamente por isso arrebata e faz transcender. O branco; puro, escancarado. Instante atomizado durante o filme e instante que precede a morte.

Mas o cavaleiro morreu, junto a seu cavalo, e ele ainda estava sentado na cadeira do cinema, ouvindo um grupo de amigos conversando incovenientemente. E o branco cedeu o lugar que cabia ao escuro. E a névoa baixou novamente, fazendo a vida - que havia lhe aparecido nua e sem pudor - corar e procurar logo sua roupa. E o instante se perdeu entre os muitos que se acumulavam na contagem dos dias.

Ele havia se enganado: seu instante não era o mesmo do cavaleiro agonizante. Porque o momento derradeiro, para aquele, fez a vida parecer uma equação solucionada. Mas ele ali sentado e respirando teria ainda um milhão de variáveis para resolver. Elas só deixariam de aparecer depois que desse seu último suspiro. Acabariam para ele, não para o resto dos homens: variáveis insolúveis são os fios do móbile que é o universo humano.

3 comentários:

Wilson Guerra disse...

Uma sessão de "Um Novo Olhar" pode desencadear tudo isso?

Maíla Diamante disse...

É. Um olhar sartreano, daqueles mais sexy. Deixa a gente tão existencialista. Ai ai.

Se bem que isso é mais Heidegger.

(Maíla-superego: é "Um OUTRO Olhar")

Wilson Guerra disse...

Huahauaaua... olhar sexy sartreano é tão... dúbio! hauahaauh

(Wilson sem-ego: putz, é mesmo! Não sei como escrevi isso! Preciso de férias)