sexta-feira, 18 de abril de 2008

Sorveteiro - Parte VI

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Tudo isso até agora foram lembranças que o sorveteiro me fez contar a vocês, leitores. Se quiserem achar o tempo em que a ação realmente ocorreu, verá que ela está aqui, não longe do fim da história. Ela aconteceu no dia em Maria do Carmo, lindamente vestida de Maria Bela, entrou num carro prata, que era seu freguês de longa data. “Deve ser homem de triunfos – nome que Silva dava às notas azul-claro-, e a menina é das mais procuradas. Não é difícil de fazer nascer paixão nos outros. Só ver eu.”

Sua voz sabor groselha adocicava as vontades de qualquer homem que aparecesse, cativando desde exigentes até aqueles que não viam na mulher nada mais que uma perdição passageira - que naquele caso era certa. Ela trazia curvas no corpo, nos cabelos e no falar. Desviava do que não a levasse a seus propósitos, mas mostrava caminho longo e sem entraves a todo assunto de seu interesse. Sereia com pernas - grossas e à vista -, estava desde o início da semana nos reparos de Silva, que a via morder os lábios mais do que o normal. Ela fazia aquilo quando estava pra realizar algo grandioso, então melhor botar o olho.

Desde o dia em que a viu pisar os pés na praça, Silva não deixou o hábito de cronometrar o tempo de cada serviço seu. Viu que esse tempo estava em função do valor do carro: quanto mais caro o veículo, mais demorado o programa. Morreu de preocupação quando uma Ferrari, única na cidade, o privou de ver a moça por duas horas intermináveis. E se algo tivesse acontecido? Foi até o prédio mais alto da região ver com o porteiro- informante de tudo o que acontecia de íntimo na avenida Tiradentes- se tinha visto o tal carro por aí. Esse prédio era a morada do doutor Oswaldo, e o porteiro de lá lhe dera em primeira mão as notícias do caso do juiz, notícias que fizeram crescer a simpatia de Silva pelo engravatado.

Mas a angústia de não ver Bela, no dia da Ferrari, foi só de duas horas mesmo. Logo ele a viu passar com maquiagem nova. Acontece que o carro prata, que nem era tão caro assim, já fazia Silva palpitar pela negrinha por mais de seis horas! Perguntar por ele ao porteiro-informante era mais difícil, havia muitos carros iguais àquele na cidade. Mas ele era sua única fonte de alívio, e foi o que Silva pode fazer.

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