domingo, 13 de abril de 2008

Sorveteiro - Parte III

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Entre suas memórias mais vivas estava uma certa tarde em frente ao Fórum –um dos pontos em que Silva trocava o sorvete pelo pão–, a mais abrasante do verão daquele ano. As árvores mostravam em sua silhueta ondulante um vento agradável e a cara de domingo das pessoas desmentia o inferno dantesco, mas não! Não seria o termômetro que marcaria o calor daquele instante! O fogo estava no bate-boca de dois engravatados encolerizados que saíram da casa da justiça aos trancos e barrancos, como se fosse um concurso de palavras chulas. O mais inflamado havia acabado de perder uma causa, justificando que só fizera uso da honestidade, enquanto que o oponente -como bom advogado representante dos dois maiores herdeiros da cidade- só vencera por falta de escrúpulos. Essa foi a parte racional do tumulto: dali pra frente a honra, o nome, a família e até a mãe de ambos foram manchados com muito cuspe verborrágico.

Para Silva, aquela cena era lamentável. O engravatado que perdera era o doutor Oswaldo, advogado de longa data, o que mais lhe dava atenção entre todos dali. Silva desconfiava de suas pretensões políticas quando, sempre no fim da conversa, repetia que "é bom ouvir a voz do povo”. No seu entender, aquele seria o slogan do novo candidato a vereador da cidade. Mesmo tendo adivinhado o que devia ser surpresa, votaria nele. “Era boa gente”.

Isso porque no ano anterior Oswaldo apareceu para o sorveteiro em pose de homem de muito brio: naquela mesma escada, o doutor descia com a postura de quem acabara de ganhar uma causa difícil, famosa na cidade. Tratava-se da história do juiz de mais de sessenta anos que deixara a mulher pra ficar com uma deusa loura de vinte e poucos. A ex-esposa não havia se contentado com as cifras deixadas pelo marido: sua reputação na coluna social não se limparia com tão poucas notas. Entrou na justiça e perdeu pro cliente do doutor Oswaldo, que ficou feliz em realizar o romance do mais novo e badalado casal da região. Silva se lembrava do advogado descer a escadaria ao lado da mulher orgulhosa - já que também era advogada e sabia da dificuldade da empreitada do marido - reluzindo os flashs da imprensa na seda da gravata cor de vinho e nos dentes polidos e à mostra. O sorveteiro, apaixonado que era por Maria do Carmo desde aquela época, tendia a tomar como mocinhos e mocinhas das histórias aqueles que tinham seus corações acalourados por esse sentimento, então viu em Oswaldo um bom homem, porque bom cupido. Mesmo que não se candidatasse, ainda assim daria a ele seu voto de confiança.

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5 comentários:

Rudah A. L. disse...

Oloco, o Silva vai se ferrar nessa ainda! Pra mim ele vai virar laranja de alguém nessa estória toda...
Mas tá legal, to gostando de ler!

Maíla Diamante disse...

Tadinho. Se quiser, posso fazer ele se ferrar um pouquinho.

Wilson Guerra disse...

Tô vendo que o sorveteiro vai entrar numa fria heim... an ãn an?
...
:P

Rudah A. L. disse...

Parece deus assim, Maíla... sua manipuladora!!! hahahahahahhahahahahhahahaha
Por favor, sem revelações do enredo. Deixa rolar...

Maíla Diamante disse...

Rudah, vc sacou a grande graça de se escrever (e o pq da filosofia não satisfazer ninguém: vc será sempre um discípulo de 5o escalão).

Sobre a revelação de enredo: existem um milhão de jeitos de ferrar com alguém, inclusive uns muito bons. Então não revelei nada.

Wilson: não, se ele esquentar a cabeça com isso. an an?